06 março, 2006

 

Morte com data marcada


“(...) Não se iludam, não me iludo,
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo

Tempo rei, oh tempo rei, oh tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, oh pai, o que eu ainda não sei
Mãe senhora do perpétuo, socorrei”

(Gilberto Gil, Tempo Rei)

Estava me lembrando aqui de uma conversa com um ex-namorado, lá no período jurássico, também conhecido como minha adolescência. Acho que estava passando na TV alguma novela ou minissérie explorando o antigo tema “o que você faria se o mundo fosse acabar amanhã?” Fizemos a pergunta um para o outro, e, além daquelas imbecilidades nauseantes de adolescente (“ah, quero ficar com você”), respondi que queria ir para a praia. Já que é pra morrer, que pelo menos que seja no meu lugar preferido! E a resposta dele: “Ah, não, vai ter um monte de gente querendo morrer na praia, as estradas vão estar lotadas, todo mundo buzinando, ultrapassando, xingando a mãe, a gente corre o risco até de morrer na estrada, antes da hora. Melhor morrer aqui mesmo!”

Bom, a minha vida “aqui em Edimburgo” tem data certa para acabar. Eu sei o dia e o horário da morte do pequeno koala na Escócia. E é incrível como isso incomoda! Uma mistura de obrigação de fazer o máximo de tudo antes que a vida aqui se acabe, e, ao mesmo tempo, uma vontade de que acabe logo. Porque a vida após a morte (minha vida “de verdade” no Brasil) me chama! Um domingo de preguiça, deitada vendo TV, é um peso na consciência, porque eu “deveria” estar em um castelo e não em casa. O trabalho que não dá resultados é um peso maior ainda, porque em pouco tempo tenho que fazer um relatório sobre isso. Sem deixar as obrigações de lado, “tenho” que conversar com nativos, praticar o inglês, continuar fazendo exercícios físicos (de preferência acompanhados de um regime básico), dormir para manter o cérebro funcionando no dia seguinte, tirar fotos, anotar coisas para o blog, andar pela cidade, programar viagens para o próximo fim de semana. Fico querendo “abraçar o mundo com as pernas” e frustrada por não conseguir.

Se é pra acabar, por que é que eu não posso ir ao parque e passar o dia deitada na grama, olhando o céu? Porque, antes de acabar, tenho que deixar tudo prontinho e certinho para a vida que vem depois. No sentido figurado, para minha vida que continuará no Brasil. Em um sentido mais amplo, tenho que deixar tudo certinho e prontinho para os meus futuros filhos (a vida que vem depois). É claro que não vou conseguir. Por isso ensinai-me, tempo rei, a viver o dia de hoje. E concedei-me a graça de não saber a data da minha morte!





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