06 abril, 2006
Diretamente do mundo paralelo
_ Alô?
_ Oi, Fulaninho está?
_ Não, não está.
_ hum... não está mesmo?
_ Não.
_ Sabe onde ele está?
_ Não, não sei.
_ Sabe a que horas ele volta?
_ Também não sei, infelizmente.
_ Mas você não trabalha aí com ele? É da sala dele, não é?
_ Bom, ele trabalha aqui nesta sala com várias outras pessoas, mas somos apenas colegas de sala, não sabemos dos compromissos uns dos outros. Infelizmente.
_ Ah... sabe se ele tem celular?
_ Não sei. (meu filho, se você não sabe é porque o dono do celular não quer que você tenha o número dele)
_ Tá bom então. Tu tu tu tu...
Tradução do tututu: desligou sem dizer obrigado nem tchau. Dando nomes aos travessões, vamos deixar bem claro que eu não sou a que desliga sem dizer obrigada e tchau. Mas achou que eu também fui grossa? Ah, então experimenta atender a uns 20 telefonemas destes por dia! O quê, deixar tocar? Meu filho, nem com toda a meditação do mundo dá para encarar “a coisa” tocando no seu ouvido. Tirar do gancho? Só se eu quiser ser esfolada viva pelos colegas de sala que estão esperando ansiosamente por um telefonema mas nunca estão lá para atender...
Bom, isso acontecia no Brasil. Aqui é assim:
_ Hello?
_ Hello, I’d like to talk to little fulano, please.
_ I’m afraid he’s not in the office at this moment.
(....)
Notaram? Como assim, “I’m afraid”? É uma pergunta de sim ou não e é muito claro que a resposta é não. Fulaninho não está na sala! Mas dizem que fica feio responder assim, de forma tão objetiva, então as pessoas colocam estes “rococós” na hora de falar.
Mas estava aqui pensando... se alguns destes escoceses fossem para o Brasil ficariam doidinhos! Mais algumas diferenças:
Quando vou para a natação, preciso mostrar minha carteirinha da academia antes de entrar na piscina. Outro dia ouvi o funcionário da academia gritando “excuse me, can I help you?” Olhei para trás e vi que ele estava se dirigindo a uma chinesa que “deu uma de joãozinho sem braço” e tentou entrar sem mostrar a carteirinha. Notaram a “abordagem inglesa”? A tradução para o bom português brasileiro seria: “ei, estava tentando entrar sem pagar, é? Não tem vergonha não?”.
No ônibus, a mesma “abordagem inglesa”. Outro dia entrou um grupo de garotos e um deles foi direto para o fundo do ônibus, sem pagar. Aqui os passageiros pagam assim que entram no ônibus, não tem essa de “pago daqui a pouco”. O motorista acabou de receber o dinheiro das outras pessoas que entraram, e, depois, olhou para o garoto lá no fundo: “Você pagou a tarifa?” Silêncio. Notem que ele fez uma pergunta, não uma acusação, apesar de ter certeza de que o rapaz não pagou a tarifa. Ônibus parado, motores funcionando, todo mundo olhando para o garoto. Não deu nem meio minuto, ele foi lá na frente com uma cara sem graça e deu as moedas para o motorista. Não vou nem tentar fazer a adaptação desta cena para a realidade brasileira...
Abrindo um dos meus muitos parênteses, quero deixar bem claro que não estou de forma alguma comparando os países em termos de “melhor”/ “pior”. Todo lugar tem suas vantagens e desvantagens, é muita inocência (ou complexo de inferioridade) pensar o contrário.
Fechando os parênteses e o texto, esta aqui:
Eu estava na casa de um amigo brasileiro, com outros brasileiros, um deles tentando acender uma vela de bolo de aniversário sem fósforos, usando os mais variados (e perigosos) artifícios. Aí o dono da casa pronuncia-se:
_ Se os bombeiros vierem até aqui, já sabem, né?
_ Não, o quê?
_ Tem que pôr fogo em alguma coisa!
_ Por quê? Tá maluco?
_ Porque se eles chegarem aqui e não tiver fogo de verdade eu tenho que pagar multa!
05 abril, 2006
Gladstone’s land
Eu adoro saber como era a vida de outras pessoas, em outras épocas, em outros lugares. Adoro. Não como em uma aula chata de história, cheia de nomes e datas, mas vendo casas antigas, mapas, gravuras, mobílias. Dá para fazer isto na Gladstone’s land, aqui em Edimburgo. Infelizmente não era permitido tirar fotos lá dentro, mas vou contar as coisas que mais me impressionaram.
Para começar, a cidade era isolada por um muro, para evitar que “gente de fora” entrasse e trouxesse doenças (como se os ratos não cumprissem bem este papel...)
O tal do Gladstone era bem rico e tinha uma casa bem grande do lado de dentro do muro. Ele morava em um dos andares de cima e alugava o térreo para comerciantes. Logo na entrada está o lugar onde existiu uma loja de tecidos e dá para ver um antigo “metro”, um tipo de régua de madeira para que os compradores pudessem conferir a largura e o comprimento do pano que estavam comprando. Parece que havia vários vendedores desonestos pela cidade, então foi criada a seguinte regra: quando um vendedor desonesto era descoberto, colocavam na orelha dele uma espécie de brinco que ele não conseguia tirar sem ficar com um pedaço da orelha cortado. A orelha cortada, portanto, era o sinal para os fregueses ficarem atentos.
Naquela época, vidros e espelhos eram coisas caríssimas, só para os muito ricos. Nem o tal do Galdstone tinha janelas com vidro em todos os cômodos, apenas em alguns. Nas janelas que não tinham vidro eram colocadas cortinas de lã, deixando o interior da casa era escuro e frio. E como frio não é bom e eu não gosto, havia “esquentadores de pés”. Eram umas caixas de metal com carvão quente dentro, para a pessoa colocar os pés em cima, sentada em alguma poltrona.
Pezinhos quentes, passemos então para a cozinha. Um lugar minúsculo, apertado e escuro, onde a criada cozinhava, dormia e cuidava do neném. Sim, tinha um berço e um andador rudimentar (“baby walker”) lá dentro. A comida, em geral peixe e aveia (argh!), era feita em caçarolas colocadas sobre o fogo, na lareira. Alguns pratos, colheres, utensílios de cozinha... e o que mais? Uma privada! Bom, não exatamente uma privada, porque não existia água encanada na casa, muito menos sistema de coleta de esgotos. Era uma espécie de cadeira com um buraco no meio e uma bacia dentro. A “regra” era que no fim do dia as pessoas deveriam ir até o campo esvaziar os piniquinhos. Mas a preguiça e o espírito de porco (frase infame _ ou não...) são coisas globalizadas, desde aquela época. Que esvaziar pinico no campo que nada! Davam uns 4 ou 5 passos e jogavam o cocô pela janela! É sério! O “esporte” tem até nome: “gardy-loo”.
Neste momento, talvez por ser uma pessoa, digamos, “sensível”, comecei a sentir um cheiro ruim ali dentro... ou vai ver que uns 4 ou 5 séculos não foram suficientes para limpar toda a porcança e ainda há resquícios! Vai saber!
Saindo da cozinha, um lugar interessante: quarto do casal e sala de estar, tudo junto. A família Gladstone e os amigos da família entravam por uma escada que ligava a rua diretamente ao “quarto-sala” do andar superior, sem passar pelas lojas do térreo. O teto tem pinturas de flores e frutas e a cama tem uma cortininha em volta. Para que, sinceramente, eu não sei. Para quem faz cocô na cozinha e recebe as visitas no quarto, fechar as cortininhas da cama me parece um contra-senso!
E falando em esquisitices, os moradores da cidade (não só os Gladstone) gostavam muito de porcos, porque tinham várias utilidades. As crianças podiam brincar com eles, eles limpavam as ruas... sim, eles limpavam as ruas! Como? Lembram do “gardy-loo”? O porco, que é porco, comia aquele cocô que o homem, muito mais porco ainda, jogava pela janela. E vocês pensaram que os porquinhos eram amados porque eram “cute”? Ah, inocência! Como se não bastasse submeter o coitadinho do animal a tudo isto, ainda comiam o porco no final da história.
03 abril, 2006
4444
4 estações do ano, 4 fases da lua, 4 resoluções dos satélites, 4 elementos da natureza, 4 semanas no mês (ou não)... e 4 meses do koala já se foram!
A pedido da minha amiga Flávia, vou colocar aqui alguns “quatro mais”. É claro que o Koala não conseguiria escrever sem algumas “adaptações”, mas quem quiser ver a versão original da coisa é só ler lá no Missisclof!
Quatro trabalhos:
1) bolsista(*) durante a graduação
2) Professora de Biologia
3) bolsista de Mestrado
4) bolsista de Doutorado
(*) Para os “não iniciados”: ser bolsista é um “emprego disfarçado”, com a diferença de que a carga horária é maior, o salário é menor e não existe direito a décimo terceiro, férias remuneradas, licença maternidade, essas “coisinhas que estudante não precisa”... vai encarar?
Quatro empregos que eu gostaria de ter:
1) o da Dani Monteiro, do Esporte Espetacular
2) pintora de “quadros abstratos”, devidamente remunerada
3) escritora devidamente remunerada
4) restauradora de peças antigas
Quatro lugares onde vivi:
1) Minas Gerais, até uns 25 anos
2) São Paulo, até hoje, com um pequeno intervalo em...
3) ...Edimburgo, de dezembro/2005 a maio/2006
4) acabou, é só isso mesmo!
Quatro lugares onde gostaria de estar agora:
1) em casa, com o Z, minhas plantas, meus peixinhos, minha rede, meus livros, meus cds, minha cama, meu travesseiro, meu banheiro limpinho, minha cozinha limpinha, meu computador... (necessariamente nesta ordem)
2) em Salvador (BA)
3) em Boipeba (BA)
4) em Lençóis (BA)
Quatro filmes aos quais assisti aqui em Edimburgo:
1) Narnia
2) King Kong
3) Memórias de uma Gueixa
4) Aeon Flux
Quatro comidas indispensáveis em Edimburgo:
1) cookies
2) genérico de Nutella
3) chá de hortelã
4) fish and chips
Quatro programas aos quais assisto na TV aqui em Edimburgo:
1) Strictly dance fever
2) jornal com previsão do tempo
3) You are what you eat
4) It’s me or the dog
Quatro websites que frequento sempre:
1) Os blogs queridos
2) e-mail
3) o outro e-mail
4) a previsão do tempo da BBC (este é o hábito mais masoquista, porque eles sempre erram)
Quatro coisas detestáveis em Edimburgo:
1) os ônibus não dão troco
2) os orelhões só aceitam moedas e não dão troco
3) os correios não entregam pacotes grandes
4) as ruas ficam sujas de vômito à noite e nos fins de semana (esse povo não sabe que tem que tomar um engov antes e outro depois, meu Jesus Cristinho?)
Quatro coisas adoráveis em Edimburgo:
1) a pontualidade dos ônibus
2) a beleza dos jardins e das casas antigas
3) o troco certinho, até o último centavo, em qualquer estabelecimento comercial
4) o prazer de andar de meias pela casa (porque a maioria dos lugares tem carpete)