13 março, 2006

 

Personagem de livro


Aqui na Escócia eu às vezes me sinto personagem de um livro. Ou melhor, de vários livros, cada hora um diferente. O próprio país já tem um clima de contos de fadas, com castelos, palácios, histórias de reis, rainhas, amores e traições.

De vários pontos da cidade é possível ver um morro (ou montanha/monte/serra/colina...) onde se pode fazer caminhadas e passeios. No meu primeiro sábado em Edimburgo eu fui passear no Holyrood Park (o lugar onde fica a serra/montanha/etc), completamente sozinha, me sentindo a própria Simone de Beauvior. Dizem que, quando ela estava confusa (se eu fosse mulher do Sartre me sentiria assim todo o tempo), ela pegava uma cesta com sanduíches e ia “passear na floresta”, sozinha, para sentir-se mais confiante e segura. Eu levei uma barra de cereais no lugar da cesta e confesso que voltei tão insegura quanto cheguei (afinal a montanha não era mágica), mas, que parecia um cenário de livro (ou de filme), isto parecia!

Outro lugar que parece cenário de alguma estória é o prédio da universidade onde fica “minha mesa”. A porta de entrada tem duas vezes a minha altura e umas sete vezes a minha largura (adorei essa descrição, me faz parecer alta e magra, vou me comparar com a porta mais vezes...). Quando alguém abre a porta, ela faz um barulho digno dos melhores filmes de terror. E dentro do prédio o terror aumenta, em todos os sentidos. Vou poupar vocês das histórias de terror do meu trabalho e dizer apenas que o prédio parece aquele labirinto que tem um minotauro dentro, cheio de portas de incêndio se fechando atrás das pessoas. Na primeira semana aqui eu gastava uns 15 minutos tentando encontrar a saída...

E quando saio da Universidade e vou para casa, encontro o principal cenário das minhas estórias (e histórias, afinal o cachorro está lá para me lembrar da minha história). A pensão onde moro é uma casa centenária que também mexe com a minha imaginação. São duas casas juntas, ou melhor, é uma única casa dividida ao meio, com um dono diferente para cada metade. Para começar, sempre me pergunto por que os vizinhos não fazem barulho. Eu morei em um lugar de “paredes grudadas” no Brasil que era uma coisa de louco! A gente ouvia o que queria e o que não queria (na maior parte das vezes o que não queria). Mas, na pensão, eu nunca ouvi algo que viesse da casa ao lado. Nenhuma conversa, nenhuma pisada com salto alto no chão, nada. Não é possível que tirem os sapatos todas as vezes em que entram em casa e que conversem cochichando o tempo todo! Para aguçar ainda mais minha imaginação, dentro do meu quarto existe uma porta trancada atrás da minha cama. Sempre pensei que a porta fosse uma antiga comunicação entre as duas metades da casa. Um dia a casa inteira deve ter pertencido a uma única pessoa, e, quando resolveram dividi-la, trancaram o “elo de ligação”. Daí eu ficava pensando se algum vizinho não estaria me olhando pela fechadura. Cheguei a tampar o buraquinho com fita adesiva (sim, eu sou maluquete mesmo).
Dia destes, cheguei a casa e encontrei um encanador cheio de ferramentas, andando de um lado para o outro. A dona da pensão avisou que ele teve que mexer em qualquer coisa no meu quarto. Fui até lá e vi a minha cama afastada e a porta atrás da cama... aberta! Do outro lado da porta, um antigo “closet”, com ganchinhos para pendurar casacos. Só isso? Não, tinha também uma TV quebrada e um colchão empoeirado. E provavelmente algum cano passando por ali.





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