24 abril, 2006

 

Allotments


No começo do meu estágio aqui, estava passeando pela cidade com outra brasileira, quando vimos um lugar estranho. Eram vários barracões de madeira ao lado de pequenos jardins ou hortas. Em um destes pedaços de terra tinha um homem plantando alguma coisa e de um dos barracões saía uma fumaça, como se alguém estivesse cozinhando lá dentro. Minha amiga sacou a máquina fotográfica: “é uma favela escocesa! Só pode ser! Uma favela! Nem sabia que tinha isso por aqui!”.

Sim, existem “locais com problemas sociais” na Escócia. Mas não, o que vimos não era uma favela. Eram “allotments”. Os britânicos adoram jardins. São apaixonados por jardinagem e são muito bons nisso. Mas muitos moram em apartamentos ou em casas pequenas e não têm a oportunidade de ter seu próprio jardim. Então alugam ou compram pedaços de terra em um terreno, os “allotments”. Cada um dos “allotments” tem um barracão, que geralmente é de madeira, para guardar o material de jardinagem. E provavelmente alguém estava fazendo um chá quando vimos a fumaça saindo do barracão.

Os jardins são tão valorizados que a dona da minha pensão, que está querendo vender a casa, tem um álbum de fotografias com o título “The garden”, para mostrar aos compradores. Quando tem visita ela abre todas as cortinas e janelas com vista para o jardim, para mostrar seu bem precioso. É mesmo bonito. Confesso que nunca pisei ali, porque é onde o cachorro faz cocô. Mas do lado de cá da janela é bonito mesmo.

Mas dá um pouco de tristeza perceber que até os jardins viraram objetos comercializáveis. Não era para ser assim. Isso é uma aberração. É como banana com etiqueta no supermercado, como se tivesse sido fabricada em alguma indústria. É como comprar garrafa de água, às vezes pagando mais caro do que o preço da Coca-cola. Toda casa deveria ter um jardim e um pomar. Deveria fazer parte das regras de construção da prefeitura. Não tem espaço para todo mundo? Bom, aí caímos em uma questão mais complicada, que é o planejamento familiar aliado ao planejamento territorial e urbano. Não quero entrar neste assunto não porque vou gerar muita polêmica. Mas é qualidade de vida ter uma área verde no local onde a gente mora. Não é pedir muito. E não deveria ter um preço. Sou da época em que mulheres trocavam “mudas” de plantas para colocar em seus jardins. E a vizinha que plantava couve no quintal dava o “excedente de produção” para a vizinha do lado, que, em retribuição, dava de presente um pouco das goiabas do seu quintal. Todo mundo era pobre, mas todo mundo tinha sua área verde. Os filhos não tinham videogames nem iPods, mas brincavam pisando na terra, fazendo “comidinha” para as bonecas com pedaços de plantas e flores. Comiam “azedinha”, uma erva qualquer que crescia no jardim. E, quando tinham dor de barriga ou febre, tomavam chá feito com alguma das ervas do jardim.

Às vezes penso que estamos todos caminhando para o lado errado...



P.S. Não fotografei a "favela" naquele dia, porque não sabia o que era. Mais tarde descobri outros "allotments" que ficam aqui bem perto de onde eu moro e têm uma vista linda dos morros (serras/montanhas/pedras/rochas/ colinas?) do Holyrood Park. Aí sim, fiz esta foto para mostrar para vocês.





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