17 abril, 2006

 

Atrasado, mas tá aí: a Páscoa em Edimburgo


Na sexta-feira eu estava quase indo dormir quando, trocando os canais da TV, vi que estavam transmitindo um show ao ar livre. Parecia um daqueles shows promovidos pela Globo, como o “criança-esperança”. Achei estranho fazerem um “criança-esperança” na sexta-feira santa e resolvi ver o que era... não consegui desligar a TV antes do final. Era a encenação da paixão de Cristo em Manchester, na Inglaterra. Tudo foi adaptado para uma visão moderna da história, com as peças acontecendo nas ruas de Manchester e em um palco principal, cercado pela multidão. Quando Jesus conversa com os criminosos que serão crucificados ao seu lado, eles estão em um camburão da polícia, sendo levados para o local da crucificação. Todos vestem roupas modernas, inclusive os atores que representam os policiais. Pedro, representado por um negro, renega Jesus e a mulher que o acusa é uma executiva, andando apressada pela rua em cima de saltinhos e carregando uma pasta. A cena da crucificação não é mostrada, todos vêem apenas uma cruz iluminada e uma mulher canta... rock. Aliás, todos os atores cantam rock contemporâneo durante a encenação. E, apesar de as músicas obviamente não terem sido compostas com esta finalidade, era incrível como as letras se encaixavam no contexto. E a multidão cantava junto. No final, Jesus aparece no alto de um edifício e canta a última música. Sem desrespeito às diversas religiões, sem interpretações “fortes” ou apelativas, com uma mensagem positiva e intensa participação popular.




No sábado, fui assistir ao vivo às “Easter Plays” aqui em Edimburgo. Um estilo bem diferente da encenação de Manchester, a começar pelo horário: duas da tarde. Tentaram reproduzir as roupas de época, túnicas para os apóstolos e uniformes para os soldados, e, também, todo o sofrimento da crucificação. Tudo o que a gente já conhece “de cor e salteado”, sem novidades. A encenação aconteceu em vários pontos dos “Princess Street Gardens”, com a platéia acomodada no gramado e a vista do Castelo de Edimburgo ao fundo. Enquanto Jesus chorava e gritava lá na frente, escuto uma vozinha atrás de mim: “mãe, o que é que ele tá falando?”. Duas brasileiras de Caraguá, mãe e filha, assistindo à peça atrás de mim. Comecei a conversar com a mãe e só paramos porque Débora, a filha, queria mesmo entender alguma coisa do que estava acontecendo, e, para isso, precisava da ajuda da mãe. “Quem é o Judas? É o de marrom?” “Mãe, mas o Judas é bom ou é mau?”

E não apenas as crianças ficam perdidas. Um amigo que estava comigo contou que, no ano passado, ele foi assistir à mesma encenação com um amigo japonês. O amigo dele não tinha formação cristã e perguntava “mas por que crucificaram Jesus?”. E o escocês não queria responder para não “estragar o final da história”. Mas... será que o japonês conseguiu entender algo tão complexo apenas assistindo à encenação?





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