23 junho, 2006

 

O ponto de intersecção das retas


Um dia eu e Z estávamos saindo do bandejão da universidade quando apareceu um amigo dele que estava indo almoçar. A lembrança que tenho é de um rapaz simpático e sorridente. Algum tempo depois, ele foi morar na mesma república onde eu morava e virou um grande amigo. Fazíamos aulas de dança de salão (para alívio de Z, que odeia dançar e adora quando encontra alguém que faça isto por ele), trocávamos livros, conversávamos por longas horas. Nossos pais e mães tiveram a mesma profissão e nós tínhamos as mesmas queixas sobre eles. Ele "chorava as pitangas" do namoro dele e era meu confidente para "assuntos Z". Dormíamos cada um em um sofá da sala, com a televisão ligada, e, se alguém tentasse desligar, soltávamos um lamurio de zumbi: " nãaaaao...". Se a pessoa insistisse em desligar, o sono ia embora. Eu gostava de dizer que ele tinha uma "alma feminina", porque ele tinha uma sensibilidade incomum na maioria dos homens. Um dia, em um dos meus probleminhas, ele me mandou um e-mail com uma poesia sobre aquele assunto. Digam, não era a sensibilidade em pessoa? Naquele tempo eu não sabia, mas aquele era o ponto de intersecção de nossas retas, que se cruzaram para depois tomar rumos opostos.

As notícias que agora tenho do meu amigo me deixam triste, não por ele, mas por mim, porque percebo que se sinto saudades de uma pessoa que não existe mais. Atualmente ele só fala de três assuntos masculinos típicos: mulher, bebida e futebol. As mulheres têm que ser várias e loiras e a bebida tem que provocar dor de cabeça pelo excesso. Porque desconfio que, mais do que beber, ele gosta mesmo é de contar que bebe muito. Conta como se a bebida fosse um motivo para admiração e orgulho e age como se fosse um adolescente descobrindo o mundo. Parece que, quanto mais envelhece, mais adolescente fica. A sensibilidade e o encanto foram irremediavelmente perdidos.

E eu também continuei a direção da minha reta: não bebo, não fumo, não cheiro, não jogo e não minto. Procuro comer comida integral e orgânica, beber água em vez de refrigerante, dormir cedo. Quero começar aulas de yoga. Virei uma velha ranzinza que grita "gratuuuuuuuito" quando ouve alguém na TV dizer "gratuíto". E desejo ardentemente que um raio inutilize todos os aparelhos de som dos vizinhos que ouvem "funk carioca". Abraço e beijo meu marido e planejo com ele a vinda de bebês. Sonho com uma vida tranqüila e saudável e com uma família bem estruturada.

Sabem? Eu poderia trocar os parágrafos do meu amigo por outros sobre a minha mãe, minha irmã, outros parentes, outros amigos. E poderia também colocar outra pessoa em meu lugar nesta história. Porque não sou a única a querer trocar a posição da reta dos outros. Todos querem que as retas das pessoas queridas sejam paralelas às suas. Sem saber que isto seria perfeito demais, sem graça demais. E sem imaginar que há novas possibilidades de intersecção, novos amigos queridos por descobrir.





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